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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Sua máscara de caveira

Talvez você não valha um texto meu.

Não que meus textos tenham grande valor. Mas talvez eu concorde que você não valha, simplesmente pelo fato de que, mesmo não sendo de grande valor, meu texto representa também meu tempo, e tempo você já tirou muito de mim.

Alguma vez isso foi valioso para você?

Em algum momento você chegou a entender?

Eu te falei várias vezes, mas acredito que você nunca tenha conseguido compreender. Eu não queria te conhecer. E te conhecer foi um acaso, caso premeditado que, no fim, nós dois queríamos.

Eu sempre enxerguei além do que você me mostrava. Você percebia?

Quando me deitava no seu colo, e olhava fixamente no seu olho, era para tentar descobrir o que você não conseguia me mostrar. E eu afirmo que muito você não me mostrava, porque sua zona segura era igual a minha.

Eu tentava desvendar seus mistérios mesmo antes de te ver pela primeira vez. Honestamente, se não fosse por isso, não teríamos conversado nem por uma semana com aquele papo que você me mandava. Recém divorciado, depois de anos sem flertar com alguém: você era o exemplo claro de homens que eu não me interessaria. Ainda assim, sentia que tinha mais.

E fui te conhecendo. Era um jogo de xadrez com movimentos calculados. Eu nunca sabia qual seria seu próximo passo, ou a próxima brecha. Era divertido, era empolgante, era aliviante. Joguei como você. Mas talvez meu erro tenha de ter sido descuidada. Será?

Suas séries eram boas. Uma até assinei HBO para terminar, e a outra não sei o final, porque era para termos assistido juntos. Em contrapartida, você tinha gostos duvidosos para filmes, mas acho que era proposital.

Um mês antes daquela fatídica segunda-feira eu estava decidida a ir embora. Você sabia que tinha errado, e sabia tanto que fez parecer que nós dois estávamos vivendo uma edição de Malhação, ou de alguma comédia romântica dos anos 2000.

Eu deveria ter ido embora naquela sexta-feira. Era minha chance de fazer o movimento de partida, e eu tinha todas as vantagens, incluindo a de não estar apegada a você. E você tinha todas as desvantagens, incluindo a de ter mentido para mim. Entretanto, você foi contra as regras. Enquanto eu pensava no meu próximo movimento, você disse que meu jogo era o mais bonito, que nunca havia conhecido um igual, e que não achava que jogaria assim de novo algum dia. Não te dei xeque-mate quando pude, porque quis estender o tempo da nossa partida. Foi você quem pediu.

“Eu quero te dar o espaço que você pediu para pensar. Mas é muito estranho viajar sem poder te mandar áudios cantando no carro. É muito ruim saber que você não vai me responder. Eu não quero parar de falar com você. Eu quero continuar te conhecendo. Eu espero que você deixe eu continuar te conhecendo”.

Eu lembro da sensação de estar decepcionada.

Fiquei esperando por tanto tempo, e talvez esteja até hoje, achando que você iria me mandar pelo menos uma mensagem.

Nunca pedi demais. Essa é uma das maiores ironias da minha vida. Parece que eu peço muito para todo mundo, mas eu sempre peço tão pouco. E, para você, no final, a única coisa que eu pedi foi um adeus para terminar o jogo de maneira justa. Mas nem isso você foi capaz de me dar, mesmo depois de tudo.

E o que seria tudo? Talvez para você tenha sido nada. Para mim, o dia que você decidiu não me responder mais foi na mesma semana em que a gente iria entrar em um carro, ir para um AirBnb, e passar 7 dias juntos de férias. Para mim, você foi a pessoa que eu confiei em meio a uma pandemia mundial. Para mim, você foi a pessoa que eu trouxe para dentro da minha casa. Pode não ter sido tudo, mas foi algum tanto. E para você pode ter sido nada, só que eu merecia – pelo menos – um adeus oficial.

-

Dos vários áudios que eu te mandei, dos vários minutos que você me ouviu falar, preenchidos por devaneios, música, discussões, conversas triviais, ou sérias do dia a dia, e estratégias para jogar Fortnite, teve um que eu nunca te mandei. Este texto é a transcrição dele.

Março/2021

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Eu te amo, e quero te ver feliz

(3)

...mas odeio o que você fez com o seu quarto.

Todas as mudanças, essa quantidade de livros, o posicionamento da cama.

...mas todas as suas coisas são descartáveis.

Suas roupas, seus materiais de estudo, seus livros, tudo que você comprou ao longo desses últimos anos. Você quem tem muito nesse seu pequeno cômodo.

...mas “você já ocupou lugar demais nesta casa. Não tem mais espaço pra você aqui”.

Você, e seu quarto (e seus fardos de água com gás embaixo do balcão; alguns congelados no freezer).

...mas menosprezo sua depressão.

Na verdade, acho que somente um milagre de Deus poderia te curar. Você não tem mais jeito.

...mas nunca te liguei, nem mandei uma mensagem, depois que você começou o tratamento. Nunca quis saber - de você - como você estava.

...mas não te liguei nem no seu aniversário.

E achei ruim quando você demorou três dias para ouvir meu áudio no WhatsApp.

...mas você lava a roupa errado. Sua comida é ruim. Como vai morar sozinha assim? Pior, como vai ter filhos assim? Coitado dos seus filhos. – Eu nem sei se quero ter filhos.

...mas você come tudo errado. Tem que emagrecer. Tem que emagrecer. Tem que emagrecer.

Ah, é. Não come frango, né? – 4 anos e 81 dias sendo vegetariana.

...mas precisa tomar tudo isso de água com gás? É a mesma coisa que água! Por que não bebe água? - ...

...mas “você gasta muito gás”. - Por, provavelmente, 5 horas seguidas.

- Dei o dinheiro para pagar o gás daquele mês. Justo, não é? Disseram para o meu pai que jamais falaram que eu gasto muito gás. Bom, somente por uma noite eu ouvi por quase 5 horas a mesma coisa incessantemente, sem contar as vezes que ouvira espaçadamente durante todos os outros anos.

...mas “não sou seus pais para comprar requeijão pra você”.

...mas “se Deus pode me perdoar, quem ela é pra não me perdoar?”

Eu não sou Deus. E eu não me esqueço de nada.

...mas o jeito que você gasta seu salário é errado.

...mas os conjuntos de lençóis novos que você comprou não são bons.

100% algodão? Amassa muito fácil. Ruim para lavar, ruim para estender, ruim para colocar na cama. Ruim, ruim, ruim!

...mas está comprando panela elétrica? Processador? Enxoval? Nossa, quer ir morar sozinha é?

Você não vai morar sozinha. Só está esperando seus pais mudarem para ir morar com eles. - Desde o meu primeiro salário, em agosto de 2019, faço planos para ir morar sozinha.

...mas vai pedir comida pelo ifood? De novo? Gasta demais. - Meu ifood é seu marmitex.

...mas eu vou falar mal, muito mal, do único cara que você teve coragem de “apresentar para família”. Vou falar dele para uma mulher que você nem conhece, e para o técnico de informática. E para qualquer outra pessoa.

Cochichando baixinho, na porta do seu quarto, como seu você fosse nada. Como se sua vida pessoal fosse nada. – Não comentei sobre o restante da minha família que nunca me fez uma pergunta, mas acham que sabem de “tudo”. ­­­­

...mas eu posso falar o que quiser, e você não pode responder.

Se você responder, esteja ciente que eu serei a vítima a partir desse momento, não importa a situação.

...mas eu não aceito a sua personalidade.

Não aceito você ser introvertida. Não aceito você não falar, e não falar, e não falar 24 horas por dia. Simplesmente não aceito você não ser o que eu quero que você seja. E por você não ser o que eu quero que você seja, eu vou tirar sarro da sua cara todas as vezes que vierem amigos seus aqui em casa. Vou falar caçoando de você para os funcionários do restaurante, da farmácia, e até do banco, se derem trela. Vou dizer para todos que ligarem que eu moro é sozinha – como faço questão de falar, ou de pelo menos dar a entender, toda vez.

...mas os cantores que você gosta são muito gritados.

...mas nossa, você não deveria dar um jeito nesse aluno seu não? Acho que deveria tratar ele diferente.

...mas quando você era bebê... Era tão linda, tão fofa, tão alegre!!! – Era, era, era!!!

...e confio em você. Mas vou te ligar, acabar com você pelo celular.

Quem você pensa que é? Alguém que pode sair para assistir filme na casa de outro cara quando quiser? - Sim, exatamente isso. - É pandemia! – Verdade. Eu só não aguento mais ficar em casa. Eu não aguento mais ficar em casa. Eu não aguento mais ficar em casa. É a primeira vez que saio em 4 meses. – Vou te buscar agora, já é muito tarde, onde já se viu? 19h30 na rua!

E outras situações hipócritas.

...mas você é obrigada a mudar, e a se moldar para fazer todos ficarem felizes e satisfeitos.

Ninguém mais tem a capacidade de mudança, apenas você, porque você é jovem. É sua responsabilidade.

- E me amaram, e quiseram tanto me ver feliz que, com o passar dos anos, criei um mundo dentro de mim onde eu pudesse ser eu mesma. Onde eu pudesse falar o que quisesse. Onde eu não tivesse medo. Onde eu não tivesse amarras.

Mas, se eu tivesse tido uma chance de falar, sem ser para mim mesma, teria apenas questionado:

Que amor é esse que nunca aceita que está errado?

Que amor é esse que não dá espaço?

Que amor é esse que só critica?

Que amor é esse que exige perdão, mas continua com situações imperdoáveis?

Que amor é esse que prega a verdade vivendo a mentira?

Que amor é esse que só desconfia?

Que amor é esse que compara o incomparável?

Que amor é esse incondicional que só te aceita condicionalmente?

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Quando comecei a me diminuir

(2)

Talvez tenha sido em 2011. Primeiro colegial, e descobri que poderia falar palavrão. Falava pra c@r#lh%, só com meus amigos. Um dia um menino da minha sala, que nem me conhecia, virou para mim e perguntou “você não acha feio falar desse jeito não?”. Nunca vi ele questionar o modo de falar de mais ninguém.

Pensando bem, talvez tenha começado no Dia das Mães de algum ano do ensino fundamental. Cantei no teatro municipal. Minha mãe assistiu. Quando estávamos indo embora ela só falava tudo o que eu deveria ter feito de diferente. E eu só queria homenagear minha mãe.

Em 2019 saia com meu “veterano”. A noite eu me apresentaria na frente da faculdade toda. Mais cedo, comecei a ter crise de ansiedade. Mandei áudio para ele chorando, falando que estava muito nervosa. Ele me chamou de “amor”, e disse que ficaria tudo bem. Quando ele chegou na faculdade e me viu, passou por mim e nem olhou na minha cara. Quis esperar por ele na saída para conversar. Nada. Mandei mensagem: “Por que você não me deu oi nem de longe?” – “Ah, fiquei com medo de te agarrar na frente de todo mundo” – “... Hum, mas você sabia como eu estava nervosa, poderia ter sido só um aceno...” – “Eu me conheço” – “Entendi, mas, mesmo assim, você não acha que...” – “Acho que você tá criando muito caso”.

No colegial falavam que minha voz era ruim demais para cantar. Meu inglês era caipira demais para falar “certo”.

No fundamental eu não tinha o porte físico “adequado” para ser escolhida na educação física. Um fatídico dia tinha chovido na quadra, e eu escorreguei 3 vezes. Foi a última vez que participei. No ensino infantil, enquanto voltava de uma das aulas de educação física, eu caí de joelho no meio da rua. As meninas pararam em um círculo em volta de mim, começaram a rir e perguntaram se eu estava rezando.

Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez caras que eu já saí sempre davam a entender que eu era doida e errada, porque cobrava demais. Eu queria o mínimo: não ser um pedaço de carne para ser consumida somente quando estavam com vontade.

Natal em família, e começa uma discussão que todos falam da minha mãe sem ela nem estar presente. Meu tio fala, o outro tio fala, a esposa fala, a namorada fala, os tios gritam. A matriarca fica em silêncio, aceita. Eu peço para pararem. Gritam comigo, porque eu que estou errada.

Ensino fundamental, estou em um barzinho com meus pais comendo porção de tilápia. Conto sobre a menina da minha sala que tem um namoradinho agora. Minha mãe começa a gritar comigo achando que estou namorando. Tento explicar, sou calada. Precisamos ir embora. Nunca namorei. Nunca mais quis contar sobre namoradinhos para os meus pais.

Ensino médio, terceiro colegial, véspera de vestibular. Passei 2013 estudando de manhã, tarde e noite, sem parar. Nas duas semanas anteriores ao último vestibular que prestaria, eu estava apavorada. Medo de não passar em nenhuma faculdade, medo de ser um fracasso. Medo de passar e ter que sair de casa. A única coisa que conseguia fazer era pesquisar e baixar músicas. Um dia chamei meus pais, queria mostrar minha nova playlist. Meu pai começa a brigar comigo, porque eu não estava estudando o suficiente. Descobri que tinha passado no vestibular sem estar falando com ele ainda.  

Minha segunda consulta com o psiquiatra em 2020, minha avó aceitou o convite de ir comigo. Ela sentada ao meu lado, sentada na frente do meu médico. Mais de uma hora eu ouvindo um especialista tentando falar com alguém que não queria ouvir, nem entender. “Depressão não é doença”. Tive que tomar duas doses de Rivotril nesse dia. Seis meses depois, saindo para mais uma consulta, “nossa, ele não me chamou mais por quê? Não gostou de mim?”. Nunca foi sobre mim.

Meu psiquiatra me prescreveu Rivotril. “Meu Deus...Você vai ter que tomar Rivotril?” - “Só quando eu tiver crise” - “Tenta tomar pouco, tá?”. Não foi por mal. Mas mesmo quando peço ajuda, não pode ser tanta ajuda assim.

Oito anos ouvindo que tudo que eu faço é errado, diariamente – ou quase.

Minha aparência sempre foi algo muito bom para falar sobre. Alta demais, cabelo fino demais. É bonita de rosto; se fosse só o rosto até que daria. Unha roída, marcas de espinha. Gorda, curvas. No fundamental falavam que eu só poderia estar indo de fralda para a escola, por conta da minha bunda. Não pode usar vestido com listras horizontais. Não pode usar roupa colada. Não pode usar roupa curta. Nada favorece, nenhuma roupa favorece.

Em 2018 saía com um cara que era fisioterapeuta. Um dia ele parou, e começou a comentar que minha perna era torta, assim como minha coluna, quatro e meia da manhã enquanto eu bebia água. Não sabia o que ele queria que eu respondesse.

Em 2020 tive que escrever um texto para um trabalho da faculdade. Mandei para meu colega de grupo que ficou como responsável final. “Mudei só algumas coisinhas gramaticais, mas ficou ótimo viu, Carol? Obrigado!”. Quando abri o trabalho, minha parte estava toda modificada, mal restou minha opinião sobre o tema.

Em 2018 estava indo a pé para uma reunião. Cheguei em um quarteirão que geralmente não passa ninguém, independentemente da hora do dia. Passou um homem de moto, assobiou para mim, desacelerou e ficou me olhando. Mostrei o dedo do meio para ele. Ele andou um pouco mais para a frente e parou a moto. Eu parei de andar, não vinha ninguém.  Ele ficou me olhando. Começou a dar ré. Comecei a correr para o outro lado. Dei a volta e cheguei em uma praça. Sentei. Fiquei paranoica achando que ele estava por perto, mas não via nada. Continuei até onde precisava chegar, mas às vezes começava a correr, porque sentia como se ele estivesse me vigiando. Quando cheguei, meus amigos precisaram me ajudar, porque minha pressão estava caindo e eu quase desmaiei. Chorei.

As inúmeras vezes que me silenciaram, porque eu não deveria falar sobre determinado assunto. Não tenho idade para opinar sobre o que acontece na minha família. Não entendo de política, não posso falar nada. Sou ignorante sobre religião, só tenho que aceitar. Sou muito nova para saber sobre isso. Por que estou falando, afinal?

Em 2017 fui pegar o ônibus para ir à casa de um cara. Já estava de noite, e o ponto ficava na frente de um bar. Mandava mensagens para ele falando que estava desconfortável e com medo, porque os homens ficavam me olhando e estavam bêbados. Ele deu risada.

Uma das minhas amigas do fundamental começou a sair com um menino. Combinamos de ir à pracinha para ele conhecer nosso grupo de amigos. Antes dele chegar, ela me disse “Carol, por favor, tenta não ser ‘demais’, ok? Para não assustar ele”. Concordei. Nessa mesma noite eu subi em cima do banco da praça e comecei a sambar. Não falei mais com ele e – posteriormente – nem com ela.

-

Eu não me esqueço de nada.

domingo, 24 de outubro de 2021

Será que sou previsível?

(1)

Parte das minhas sessões da terapia tem sido sobre a minha falta de conseguir me mostrar, de falar o que eu penso, de ser eu mesma. Descobrir quem eu sou. Como se, por todos esses anos, eu tivesse usado uma máscara e vagado pelas situações que fui colocada, e eu me adaptei a elas. Fui o que precisei ser, o quiseram que eu fosse.

Comecei a tratar depressão ano passado e uma das teorias é a de que – inicialmente - como não conseguia falar e me expressar, entrei cada vez mais dentro de mim, e afundei aqui dentro. Criei todo um mundo que existia somente na minha mente. Ansiava pela hora de dormir, assim viajaria para lá. Não queria acordar, porque teria que voltar para a realidade. De vez em quando acabava desancorando sem querer durante o dia, durante a aula, enquanto lavava a louça. Por vezes achavam que eu fingia não ouvir, mas realmente não estava, porque ficava presente só de corpo, com a minha mente dissociando.

Nunca fiz de propósito, nunca escolhi não viver na realidade. Tanto não escolhi que nas primeiras sessões, quando comecei a enxergar as situações em que eu não estava vivendo o presente, debulhava-me em lágrimas. Poderia nem ter um motivo concreto. Era com meus pais, com meus melhores amigos, nos meus melhores dates, nas minhas piores crises, nas minhas piores brigas.

No meu mundo não sou só eu. Meu mundo sou eu e todos com quem convivo. A diferença é que, aqui dentro, as coisas são do meu jeito. Noite após noite eu revivia alguma briga ou discussão em que eu nunca tive voz. Noite após noite eu revivia alguma situação que nunca teve desfecho. Noite após noite eu revivia algum dia em que fui muito feliz. Noite após noite eu começava a sofrer antecipadamente pela morte de alguém que eu amo. Sofria até precisar tomar alguma coisa, ou até chorar tanto que acabava dormindo. Noite após noite eu imaginava algo que queria muito que acontecesse, que poderia mudar minha vida para melhor.

Quando estava com alguém, meus pensamentos vagavam numa imensidão que – raramente – era apenas sobre mim. O que será que essa pessoa está realmente pensando? O que ela acha sobre mim? Será que fiz algo de errado? Como devo agir? Como essa pessoa é de verdade? Por que ela está aqui? O que a gente está fazendo? Por quê? E outras variações dependendo da ocasião, e da pessoa. Como não tinha as respostas, imaginava as minhas.   

Acho que por muito tempo consegui disfarçar. De novo, quase sempre fui o que as pessoas queriam e precisavam que eu fosse. E me escondi. Lembro do dia que - provavelmente pela primeira vez, ou uma das primeiras vezes – eu estava tão cansada que não me importei que me vissem de verdade. Foi por volta de um mês antes de começar a ir ao psiquiatra, e na noite da minha pior crise. Estava na casa do cara que saia na época; tinha brigado com meus pais. Depois da ligação deles chorei por quase uma hora. Minha mente zumbia como uma zona de guerra.

Não conseguimos assistir ao filme. Ele foi estender a roupa. Fiquei parada na varanda e comecei a dissociar olhando para o teto de madeira. Sentia ele me observando. Lembro de, ao fundo, ouvir ele me chamar “Carol, você tá bem?”. Olhei para ele: o olho arregalado, a boca entreaberta, uma camiseta na mão. Falei que sim, e comecei a andar de um lado para o outro. Dissociei de novo e, a partir daí, fiquei indo e vindo até precisar fazer uma sessão de última hora com a minha terapeuta no outro dia.

Quando eu enxerguei a boa parte do que tem sido minha vida desde a infância, meu maior medo foi de um dia perder completamente o juízo. De um dia não ter mais controle da minha mente, da minha vida. Eu sempre falo que tenho muitas questões dentro da minha cabeça que influenciam muito minha forma de agir e reagir, só que perder minha sanidade é algo que está na lista de coisas que jamais podem acontecer. De acordo com a minha terapeuta, o pior desfecho é minha depressão piorar, ser muito profunda e mais difícil de lidar. Estou estabilizada. Estou estabilizando.

Ainda assim, consegue perceber a dualidade aqui? De um lado temos eu, a estátua vista de fora que nunca conseguiu agir da sua própria maneira. De outro temos eu novamente e, a estátua vista de dentro que criou um mundo próprio para conseguir agir da sua maneira. Qual o ponto de fusão para eu conseguir me libertar? Essa tem sido minha questão por dias e dias.

Às vezes fico em pânico pensando que não sei nada sobre mim. Do que eu gosto? Do que eu não gosto? Quais são as minhas manias? Minha forma de agir? De reagir? Como eu falo? Como me relaciono? Quais as minhas qualidades? Quais os meus defeitos? Quais os meus valores? O que eu tolero? E o que é intolerável? Quais são meus medos? Meus segredos? Meus dons? No que eu sou realmente boa? No que eu sou realmente ruim? Será que eu sou uma pessoa boa? Será que sou má? Como sou pelo olhar dos outros?

É claro, sei algumas respostas para essas perguntas. Eu gosto de gatos, de Marvel e de sorvete, por exemplo. Eu não gosto de quem pede para eu comparar gato com cachorro, ou Marvel com DC. Eu tenho mania de não deixar portas de armários, micro-ondas e afins abertas. Eu sou prática, e geralmente acabo liderando tudo que me envolvo, porque não tenho paciência para ficar esperando as coisas acontecerem. Quando acontece um problema, sempre vou pensar nas diferentes formas de resolver (apesar de talvez eu travar, por conta da minha ansiedade). Se fizerem algo que me deixa desconfortável, ou vou me fechar completamente e me afastar, ou vou estourar (estou no processo de achar um meio termo). Quando me elogiam, fico com vergonha.

Minha fala é cheia de gírias e palavrões. Meus relacionamentos são chuvas que podem ser boas, ou fortes demais até causar estragos. Eu tolero quando as pessoas erram comigo, vezes demais, até. Só que não tolero quando ofendem o direito dos outros. Tenho medo de morrer e de perder quem eu amo. Canto e sou professora, herdei da minha mãe os dois. Herdei do meu pai a parte de cozinhar, mas não chega a ser um dom igual ao dele, o meu está mais para um hobbie. Ser boa ou má depende do ponto de vista (prefiro acreditar que sou boa, mas quem não prefere?).

E mesmo sabendo pouco, ou não sabendo tanto, ainda acho que sou extremamente previsível pelo olhar de quem convive comigo. Ficarei bastante feliz e rindo abobadamente com qualquer coisa que me mandarem sobre gatos. Farei dancinhas e ficarei cantarolando no carro. Ou em qualquer lugar. Deixarei pessoas chateadas por não responder no WhatsApp, e aparecerei tempos depois pedindo desculpas – sinceras – por ter sumido. E as pessoas acharão que não vale a pena falar comigo, porque eu sempre acabarei desaparecendo. Direi que quero apenas uma taça de vinho, e beberei a garrafa toda. Sempre me atraso, 5 ou 15 minutos. Surtarei por Demi Lovato, com 12 ou com 36 anos. Farei convites mesmo sabendo que, muito provavelmente, não vou cumprir. Tomarei a liderança nos trabalhos em grupo, porque ninguém tem proatividade. Direi que não falarei nada, porque estou cansada de sempre tomar a iniciativa, mas muito provavelmente vou acabar fazendo algo. Invadirão meu espaço pessoal e, assim, eu fico – constantemente - em estado de defesa. Todos os dias reclamarei muito no Twitter. Farei muito mais do que eu precisaria. Minha chefe sabe que pode pedir o que quiser que eu darei um jeito de entregar, e que independentemente do horário que ela pedir, sempre entregarei tudo no prazo, não importando como farei isso.

Sempre que meus amigos me chamarem para comer, minha escolha será BK. Sempre que um date me chamar para sair, minha sugestão será tomar sorvete. Eu tenho uma roupa específica para primeiros encontros, e só não a usei uma única vez. Coloco o alarme para despertar e levanto apenas uma hora depois, todos os dias. Irei chorar com animais de rua. Estarei com medo da chuva, mesmo se não demonstrar. Vou sair com caras que meus amigos dirão “é sério mesmo?!”. Sempre. E sempre que eu for contar algo sobre alguém que saí, eles nunca lembrarão sobre quem eu estou falando. Cozinharei mais macarrão do que vou comer. Ficarei com peso na consciência por ter jogado alguma comida fora. Minha média de dates será de 3-5 encontros. Eles terminarão comigo falando que precisam ficar sozinhos, e aparecerão namorando pouco tempo depois. O tempo recorde para isso acontecer foi de 3-4 semanas. E o mais surpreende foi o que casou 10 ou 11 meses depois.

Direi que vou assistir a série que alguém me recomendou, e isso não vai acontecer. Nunca consigo responder quando meus pais dizem que me amam no telefone, não porque não amo eles, mas porque tenho um problema em falar que amo as pessoas, por mais que eu as ame. Gastarei dinheiro quando eu mais preciso economizar, e economizarei quando mais tenho dinheiro para gastar. Sempre acharei um absurdo quando alguém diz que não gosta de água com gás, e sempre ficaria genuinamente feliz quando descubro que alguém gosta. Beberei pelo menos uma garrafa de água com gás por dia. Darei apelidos para todos do meu convívio, e chamarei essas pessoas pelo nome/nome completo quando quero fazer graça, chamar a atenção, ou enfatizar algo que estou dizendo. Terei neologismos próprios para tentar expressar meus sentimentos virtualmente.

Ficarei preocupada com as pessoas, por mais que eu fique brava quando se preocupam comigo. Estarei entediada nas aulas da faculdade. Ficarei com saudades, e não saberei como expressar quando puder. Quando estiver conversando com alguém, olharei fixamente em seus olhos para tentar ler sua alma, ou vou desviar para não deixar que leiam a minha. Pedirei para brincar de guerra dos dedões. Acordarei mentalizando um dia de paz, e me estressarei pouco tempo depois. Não me esquecerei de nada, e acabarei escrevendo sobre tudo um dia. Acharei que sou extremamente previsível, e que continuarei cometendo os mesmos erros para sempre. Pensarei que vou ser um fracasso e um fardo para as pessoas. Terei crises existenciais pensando que não sei nada sobre mim, e farei um texto de quatro páginas contando fatos apenas meus.

A verdade é que, estátua de fora ou de dentro, moldada ou dissociada, seria impossível não ter criado laços comigo mesma ao longo desses anos. Não gosto de tudo, e não quero mudar tudo que desgosto. Gosto de muito e quero manter tudo que gosto. O que seria nós senão uma junção de clichês e vivências.    

Março/2021

sábado, 23 de outubro de 2021

Segredo

Preciso te contar um segredo.

Não sei se posso contar.

Sei que não deveria contar, pelo menos.

Não deveria, porque é isso que falam que não devo fazer. Não devo contar.

Só que por mim, devo. Por uma parte de mim.

A outra fica com receio.

Você vai me achar (mais) louca?

Eu posso ser meio louca, doida.

É bom às vezes, juro.

Mas voltando, sobre o segredo.

Quando eu te contar, se você julgar que não deveria contado, esquece. Faz esquecer. Finge que nunca contei.

A gente continua sem nenhum segredo; sem segredo explícito, pelo menos.

Certo. Alinhados.

1,2,3 e... já!

Talvez eu goste de você. Aye.

O que, sendo bem sincera, não faz nenhum sentido, e talvez você saiba o porquê.

Só que talvez também faça muito sentido, se tirar como base minhas últimas semanas.

Assumo a responsabilidade de dizer que talvez eu goste de você hoje, agora, neste exato momento, sem saber o que vai acontecer daqui 21 dias ou depois.

E digo que gosto de você, mas, ainda assim, pode ficar tranquilo, não é um pedido de casamento, continua sendo só meu segredo no dia de hoje.

E, por talvez gostar de você, eu me importo que você se importe com as coisas que eu gosto.

Porque eu me importo em me importar com as coisas que você gosta.

E não que em algum momento eu tenha feito isso só para te agradar, ou esperando algo em troca. Não.

É que não consigo fugir de me interessar pelo que a pessoa que eu estou interessada se interessa.

E por isso, de repente, sem eu perceber, tenho o sonho de ter uma coleção nova.

Só que, por talvez gostar de você, hoje também entendi que preciso aceitar que algumas coisas não vão mudar.

Não tópicos específicos, isso já havia aceitado.

Preciso aceitar... pensando bem, aceitar não é a melhor palavra a ser usada aqui. Preciso continuar te conhecendo.

E eu já sei, e você já sabe, que sou mais sensível mesmo, principalmente para alguns assuntos.

Mas vai dar certo.

Se eu tiver sorte (e não queria usar a palavra sorte, mas acho que não tem outra melhor), talvez você goste de mim também, e aceite que esse meu lado dificilmente vai mudar.

Desculpa se eu não devesse ter falado nada.

Se você estiver assustado, não precisa ficar.

E se você não estiver, saiba que fiquei feliz mesmo sem saber.

-

Comi Mcdonalds hoje e lembrei de você. Queria ter te contado, mas não achei o momento certo. Então fica aqui esse segundo segredo, um pouco mais fácil de ser mastigado. Só espero que não mais gostoso que o primeiro.

08/09/2021

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Distância

O medo da aproximação.

O medo da aceitação.

O medo da vulnerabilidade.

O medo da incerteza.

O medo da insegurança.

O medo do compromisso.

A palavra não falada.

A foto não enviada.

A mensagem não escrita.

A incerteza.

Do sim, do não.

A inconsistência.

O que não se discute.

Ou o que se discute, mas não se ouve.

E até o que se discute, mas se esconde.

O que mais se esconde?

[O sentimento, com você ou com o outro.]

A coragem que só vem com o álcool.

A confusão do querer, do não querer.

Do ser, ou não ser.

De estar presente, mesmo distante.

O não perguntar.

O não demonstrar...

...também o interesse.

A quebra de planos (de ontem, hoje ou amanhã).

A quebra do junto.

A não reciprocidade.

O orgulho que te afasta.

Por que você se afasta?

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Invisível

O que você não vê?

A roupa lavada, recolhida do varal há quase uma semana, empilhada no quarto.

Os papeis ao lado do lixo esperando para serem jogados fora.

Os cremes que já não são mais usados.

Os exercícios que foram deixados de lado.

Os livros que querem ser lidos, mas não são.

As atividades que deveriam ser corrigidas, mas não se corrigem.

Os trabalhos que deveriam ser entregues, mas continuam se empilhando.

O banho atrasado há dois dias.

As notificações cheias de remorso, mas que continuam sem resposta.

A comida, inflacionada, apodrecendo na geladeira, porque não é feita.

A cama com lençóis caros, que foram comprados em uma época boa, mas que não é arrumada mais.

O cabelo sem escovar.

O dente sem escovar.

O cansaço e sono sentidos vinte e quatro horas por dia.

A unha roída até o sangue e a carne.

As séries abertas na televisão, mas sem coragem de serem iniciadas.

Os filmes esperando na lista de espera.

O sentimento de frustração quando toca o alarme dos remédios.

A vontade sem vontade alguma.

O choro que não tem apenas um motivo específico.

Os incontroláveis pensamentos que assustam.

A sensação de pânico de: e se, dessa vez, não ter volta?

A espera sem fim.

EsperaesperaesPERAESPERAESPERA!

Es pe ra... e uma recaída.

O que tanto se espera? O que é essa espera?

A esperança de uma nova era?

O que você vê?

O que você escolhe ver?

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Usada

Eu não quero me sentir usada.

Mais do que eu já senti, mais do que eu continuo sentindo.

Eu não quero que me chamem só quando estiverem entediados, ou quando todas as outras opções estiverem esgotadas.

Eu não quero ser o atraso, nem o plano que pode ser adiado, sempre, com uma data a definir que não existe.

Eu não quero ser a hipótese, o talvez, o se.

Eu não quero ser a última a saber.

Eu não quero ser uma mera mais uma.

Eu não quero ser a distração para quando estiverem carentes.

Eu não quero ser o prêmio para quando quiserem aumentar a autoestima.

Eu não quero ser o descarte, nem o plano b.

Eu não quero continuar me sentindo insegura por nunca saber o que está, de fato, acontecendo.

E não quero sair como louca porque quis saber.

Eu não quero precisar me esforçar, não tanto.

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Eu quero que me chamem, porque me querem.

Porque querem ouvir o que eu tenho para falar.

Porque querem a minha companhia.

Eu quero que me chamem sem eu buscar por atenção.

Eu quero que me chamem porque querem compartilhar comigo tanto quanto quero compartilhar de volta.

Do dia, da vida, das neuroses, das besteiras.

Eu quero que me chamem sem eu questionar – para mim mesma - se gostam de mim ou não.

Eu quero que me chamem sem eu me preocupar se eu estou gostando de uma pessoa que, amanhã, vai aparecer com outra.

E eu quero que me chamem porque querem tentar tanto quanto eu.

Eu quero que me avisem, em alto e bom som, se não tiver espaço para mim mais.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Saudade

Tenho sentido muita saudade.

No começo pensei que seria de algo específico, mas enquanto reflito para escrever este texto, acho que minha saudade é de um acúmulo de coisas que foram perdidas ao longo dos anos.

E acredito que esse é um daqueles textos que seriam intermináveis se assim eu o quisesse, porque quanto mais eu penso, mais lembranças me vêm de coisas que, ao mesmo tempo que penso quase diariamente, evito pensar (provavelmente tentando não me deixar machucar).

Tenho saudade de algumas coisas tão pequenas, e que podem ser tão insignificantes, que não teria como formular para deixar aqui registrado. Mas tenho uma caixa abarrotada de lembranças materiais que vai de uma etiqueta de roupa, até a pétala da rosa que um menino (que eu saí uma vez e nunca mais conversei) me deu.

Tenho saudade de não entender como dinheiro é importante, e de não ficar me preocupando com as minhas finanças.

Tenho saudade de quando eu e meus amigos tínhamos quase o dia todo livre, e podíamos passar a tarde toda na casa um dos outros fazendo nada.

Tenho saudade de ficar na varanda de casa correndo e brincando com as minhas cachorras, Duda e Mel, e os outros 15 gatos que moravam comigo, incluindo a Miyuki e o Balu.

Tenho saudade de chegar em casa e ter comida pronta. E depois me perguntarem o que eu queria jantar.

Tenho saudade dos almoços de domingo na casa da vó. Sempre com alguma fofoca do que meus primos haviam feito no sábado a noite, um banquete na mesa, e eu sentada entre meu pai e minha mãe.

Tenho saudade de ficar sentada na rede com o meu pai, enquanto ele dava o melhor dele tentando desvendar os livros de literatura do colegial comigo.

Tenho saudade de me sentir A musicista quando minha mãe me pedia ajuda para desmontar o som depois da missa. E de comer pipoca quentinha da barraquinha na porta da igreja.

Tenho saudade de quando tirei meu primeiro zero em física no colegial, e achei que seria o fim do mundo, sem ter noção de como as coisas poderiam ficar mais difíceis.

Tenho saudade de quando chegava a época do meu aniversário e meus pais se empolgavam comigo para planejar as coisas, sem eu precisar fazer tudo sozinha.

Tenho saudade de quando eu ainda tinha vontade e paciência para tentar ter um relacionamento melhor quando me mudei para Franca.

Tenho saudade de contar os dias para voltar para casa. De chegar e ficar brincando com as minhas cachorras, e depois separar mais um tempo só para ficar com os gatos.

Tenho saudade de ir ao centro, colocar crédito no passe, sempre passar na papelaria, farmácia ou na loja da chinesa (mesmo que eu não precisasse de nada). Parar no Senhor Café, tomar cappuccino gelado, com pão de queijo e água com gás da Prata de garrafa de vidro. E depois ficar por mais de hora sentada na praça da fonte observando as pessoas.

Tenho saudade de desfocar durantes as reuniões na UNESP, porque prestar atenção na Sapateria era mais divertido do que prestar atenção nas pautas.

Tenho saudade de ficar o dia todo na UNIFRAN, para comprar cachorro-quente vegetariano e comer escondido no escritório, com ar-condicionado, enquanto assistia série.

Tenho saudade de estar animada com a faculdade e ter uma das maiores médias da turma.

Tenho saudade de como eu me empolgava para dar aula. E de como eu fiquei feliz quando dei a minha primeira aula e percebi que estava realizando meu sonho.

Tenho saudade de me empolgar com meus sonhos, e acreditar que eles são realmente possíveis.

Tenho saudade de acreditar que as coisas podem melhorar, e de ser uma pessoa engajada naquilo que acredito.

Tenho saudade de não estar me sentindo tão vulnerável que tenho medo de falar o que estou pensando, porque quero evitar mais danos.

Tenho saudade de ficar ouvindo Jorge e Mateus no serviço, enquanto tentava não surtar tendo que resolver algumas dezenas de coisas ao mesmo tempo, mas ainda assim dando risada com a menina que trabalhava comigo.

Tenho saudade de como eu me sentia nos primeiros meses que adotei a Cléo e o Nilo.

Tenho saudade de ler um livro por semana. Às vezes um por dia.

Tenho saudade de não estar constantemente estressada, por motivos diversos.

Tenho saudade de cantar. Tenho muita saudade de cantar sem precisar sussurrar.

Tenho saudade de tomar café da manhã, acompanhado de um copo de 500ml de café, e depois ficar arrependida.

Tenho saudade de ficar ansiosa para primeiros encontros.

Tenho saudade de sentir que estava começando a gostar de alguém, e que estavam gostando de mim de volta.

Tenho saudade de pessoas que nem fazem parte da minha vida mais. Sinceramente, não é saudade delas, mas de alguns momentos que vivi com elas. Há exceções.

Tenho saudade de jogar jogos de tabuleiro na cama sem entender nada do que estava acontecendo, mas ficar empolgada mesmo assim, só de ver o outro feliz em jogar comigo.

Tenho saudade de dar 16h30 e ficar ansiosa, porque sabia que receberia mensagem e poderia começar a compartilhar sobre o dia.

Tenho saudade de qualquer rolê é rolê, o importante é se ver.

Tenho saudade de trocar figurinhas no WhatsApp.

Tenho saudade de ansiar que minha aula terminasse logo para poder assistir série junto.

Tenho saudade das pessoas terem tempo para mim, e de eu ter tempo para elas.

Tenho saudade de ter tempo para mim.

Tenho saudade de quem eu já fui. Talvez a minha versão do primeiro semestre de 2019, ou a de alguns meses de 2021. - Provavelmente de uma que não conheço ainda.

Tenho saudade de ter alguém para compartilhar meu dia.

Tenho saudade de não me sentir tão sozinha.

E enquanto escrevo a meia noite, ou reviso ao meio-dia, eu choro. Não sei se de saudade, ou de tristeza por saber que, grande parte disso, são saudades que não posso matar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Inseguranças

Acho engraçado como as pessoas olham para mim, e comentam sobre mim.

É sempre uma visão levemente distorcida da que eu tenha de mim mesma.

O que eu mais ouvi nos últimos meses é sobre como tenho emagrecido, como estou diferente, quase irreconhecível. Mais magra do que fulano, tão magra quanto ciclano. E, mesmo que esses comentários não sejam feitos com tom de ofensa, tenho ficado cada vez mais aborrecida quando escuto.

O que querem que eu responda?

Muito obrigada por me fazerem achar que eu era horrível antes.

Por que isso é tão necessário de comentar?

Meu corpo não era agradável para você? Não era bom sair comigo? Eu não era o suficiente para você?

Comecei a emagrecer na medida que comecei a tratar depressão, porque tratando depressão comecei a tratar compulsão alimentar. E o curioso é que acho que só duas pessoas, nesse um ano que faço tratamento, tiveram a lembrança de perguntar se eu melhorei (uma foi meu pai).

Mas, veja bem, o importante é que eu emagreci e agora me sinto gostosa vestindo calça jeans. Calça jeans com cropped ainda não.

Eu não quero que você compare meu corpo.

Meu peito e minha bunda, meu quadril e minha cintura, minha altura e minha largura são meus. E pode parecer surpreendente, só que nunca me achei feia. Nunca estive 100% tranquila comigo mesma também, mas não preciso de outras pessoas me comparando e me cobrando para ser algo que jamais vou ser.

Posso fazer 24 horas de jejum e 2 horas de treino todos os dias. Primeiro eu vou desmaiar. Segundo minhas coxas continuarão grossas; meu quadril continuará largo, assim como meus ombros; meu peito continuará ok (ainda me incomodando). Nada disso vai mudar.

E eu já sonhei que mudasse. Já quis que fosse de várias formas diferentes. Mas algumas coisas vão continuar do jeito que são.

Também falam que sou muito alegre, sorridente e, definitivamente, uma parte de mim é, principalmente o lado professora. Só que, o que eu percebi durante esses meses de pandemia em casa, é que se tivesse uma câmera me filmando 24 horas por dia, com certeza constatariam que sou doida (viro outra pessoa assim que encerro a aula).

Às vezes acho que ser professora, na verdade, é uma personagem que interpreto. Alguns dias não me saio muito bem no papel e fico me sentindo muito mal, mas, na maioria das vezes, sei atuar com maestria, porque eu preciso, pelos meus alunos. E acho que todo professor é um pouco assim.

Com a terapia aprendi a tentar não fingir tanto que estou bem o tempo todo. Agora, o próximo passo é conseguir explicar quando não estou bem. Ainda tenho dificuldades em verbalizar tudo que passa pela minha cabeça.

Sempre acho que os outros não se importam, ou que estou falando muito e atrapalhando, ou que não vale a pena compartilhar sobre mim se a pessoa talvez nem continue na minha vida.

Inclusive, sobre a minha cabeça, se precisasse ranquear meus top inimigos, minha mente estaria no top 3 ou 5. Meus pensamentos são tão altos aqui dentro que quase sempre tenho a impressão de que as pessoas conseguem ouvir o que eu estou pensando. Já foi pior, mas alguns dias ainda é quase insuportável.

O que eu posso fazer? O que eu não posso fazer? Eu fiz certo? Fiz errado? Fiz o suficiente? Falei alguma coisa que não deveria? O que eu faço agora? Eu vou conseguir? Não acho que vou conseguir lidar com isso, será que vou? O que isso quer dizer? Será que é amanhã que não vai ter mais mensagem? Mas eu não fiz errado, fiz? Será que tem alguma coisa acontecendo mesmo ou é coisa da minha cabeça? Será que pergunto? Eu deveria falar algo? O que eu deveria responder para isso? Será que eu estou exagerando? Eu posso fazer isso? Perdeu o interesse, não foi? Com certeza tem alguém melhor, não é? Melhor que eu, não é? Eu estou ficando doida? Pra que continuar com isso? Insistindo? Isso está realmente acontecendo comigo? Mas e o futuro? Quando vai dar certo? E o presente? É melhor desistir, não é?

Passei várias sessões na terapia tentando melhorar meu relacionamento com o fato de as pessoas irem embora da minha vida. Até que na última sessão minha psicóloga disse que é normal eu sentir medo das pessoas irem embora, e que vou continuar sentindo.

E como eu deveria não sentir?

Por muito tempo fiquei agoniada querendo alguém, uma companhia. Até que entendi que eu tinha pavor de me aproximar das pessoas. Era uma luta interna dentro de mim entre um lado querendo muito criar conexões com alguém, e outro que se fechava completamente por medo.

E todas as vezes que eu tentei me aproximar de alguém, foram embora.

Foram embora quando eu tinha 13 ou 14 anos e não entendia quase nada da vida.

Quando tinha 20, saí com um cara por 3 meses sem saber que ele estava em um relacionamento aberto.

Dos meus 21 aos 23 saí com vários caras que sempre iam embora todas as vezes que eu mostrava algum lado que não fosse a superengraçada e compreensiva Carol.

Nos meus 23 fiquei 4 meses saindo com um menino que, um dia, resolveu não me responder mais. E até hoje não sei o motivo.

Nos meus 24 tive a infelicidade de conhecer um que, em 4 horas passou de fazer planos comigo para 2022 a falar que estava “tudo terminado” porque eu o fazia se sentir preso. Essa história não vale a pena contar, porque foi uma das coisas mais absurdas que já tive que viver.

Então como eu deveria não ter medo?

Não consigo pensar em futuro, porque todos os dias penso que não terá amanhã. Todas as conversas parecem ter uma data de validade que só eu não sei ao certo qual é. Então fico criando micro mecanismos de proteção, porque se ou quando acabar vou estar levemente preparada (nunca estou de fato).

Assim, não consigo me abrir, nem falar de mim, porque todas as vezes que fiz isso, as pessoas não ficaram. Não consigo me aprofundar em conversas ou tenho receio de ser direta no que quero, porque, todas as vezes que fiz isso, as pessoas não ficaram.

Repetidamente continuaram anulando o que eu estava sentindo, ou falando, ou querendo ser, ou querendo sentir. E continuaram fazendo eu me sentir culpada simplesmente por ser quem eu sou, ou pelo que eu queria.

Já disseram, também, que sou emocionada, exagerada, e que romantizo tudo.

Tem que ficar atenta aos sinais, para não ser idiota. 

Das algumas vezes que já saí com alguns caras consegui testar algumas coisas.

Já deixei claro no primeiro encontro que queria algo sério. Já deixei claro que não queria nada sério. Já fiz questão de alinhar se estávamos na mesma página sobre o que estava acontecendo no primeiro mês. Já fiz isso no terceiro. Já comecei a chamar de apelido fofo na primeira semana. Já comecei a chamar depois de um mês. Já sai com gente de Franca, São Paulo, e de alguma cidade do interior de Minas. Já tentei sair com caras mais velhos achando que o problema era maturidade (não era), e já saí com mais novos (erro). Já fiquei 6 horas em chamada no primeiro dia de conversa. Já fiquei horas e horas em chamada por vários dias seguidos. Já falei com todas as letras quais eram as minhas intenções; nada adiantou.

No final eu sempre saia (ou saio?) com a sensação de que só tinha sido usada.

Usaram meu tempo, usaram meu corpo, usaram das minhas melhores partes.

E, então, ­como não vou ter medo de, toda vez que conheço alguém, achar que só querem me usar, mais uma vez?

Não escolhi isso, só deixaram pra eu lidar.

Fico buscando respostas para as dezenas de questionamentos que passam pela minha cabeça o tempo todo, e quando acho fico incomodada.

Porque parece que tudo precisa seguir um manual que se você não segue, está errado. Não pode demonstrar, não pode ser disponível, não pode falar o que sente, não pode fazer isso, não pode fazer aquilo. Tem que seguir os prazos. Vai dar tudo errado.

Tem um manual de como ser uma boa professora. Tem outro de como ser filha. E um de como ser uma boa amiga. Para tudo tem um manual.

E no final parece que querem te moldar para cada tipo de situação. E o que te resta é aceitar.

Só que eu odeio o fato de não poder falar e fazer o que eu quero, e o que eu sinto, porque talvez seja proibido. E odeio ainda mais o fato de que me proíbo, porque no fundo fico com a certeza de que, se fizer, sempre vou acabar estragando tudo.

E por que eu estragaria tudo? Difícil de enxergar às vezes, mas tem muita mais coisa boa do que ruim aqui dentro.

Mas será que isso tudo é real? Ou será que é só mais um dia da minha cabeça sendo completamente corrompida pela ansiedade?

Isso faz algum sentido?

...

Eu estou exagerando?